quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Pedras que contam histórias

A pesquisa histórica vive hoje, na Flona, um visível renascimento com a criação do Núcleo de Estudos Históricos e Ambientais. Embora recente, o núcleo já produziu resultados importantes
Notícia publicada na edição de 17/08/2011 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.
Hoje sede da Floresta Nacional (Flona) de Ipanema, uma das unidades de conservação ligadas ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a área da região de Sorocaba conhecida como Fazenda Ipanema, no Morro do Araçoiaba, voltou a ficar em evidência no começo da semana, com a divulgação da descoberta de ruínas que remetem ao início da ocupação desta região pelo homem branco ("Na Flona - Ruínas podem alterar história de Sorocaba", 15/8, pág. A9).

A descoberta, um muro baixo de pedras que pode ter sido construído por Afonso Sardinha ainda no Século XVI, ainda precisará ser estudada à luz de técnicas científicas de datação e de tudo o que se conhece sobre a história local. Porém, independentemente das conclusões e polêmicas que poderá provocar, já teve o condão de reavivar na memória da comunidade regional a importância do acervo arqueológico, histórico e arquitetônico do Morro do Araçoiaba, verdadeiro tesouro da história brasileira que a maior parte dos habitantes das cidades que o contornam (Sorocaba, Araçoiaba da Serra, Iperó e Capela do Alto) conhece apenas de ouvir falar.

A pesquisa histórica vive hoje, na Flona, um visível renascimento com a ativação do Núcleo de Estudos Históricos e Ambientais. Embora recente (foi criado em novembro de 2009), o núcleo já produziu resultados importantes, como a exposição "200 anos da Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema", que assinalou o bicentenário da primeira fábrica de ferro do Brasil, em dezembro de 2010, com uma impressionante mostra de mapas e registros iconográficos, e a reedição fac-similar (com o apoio do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba e Ottoni Editora) do livro "Subsidios para a História do Ypanema", produzido em 1858 pelo bacharel Frederico Augusto Pereira de Moraes.

É esse núcleo que anuncia, agora, a descoberta de ruínas que podem pertencer às experiências pioneiras que o mameluco (filho de branco com índia) Afonso Sardinha e seu pai português (que tinha o mesmo nome) conduziram a partir de 1597, dando origem a um pequeno agrupamento de casas que o governador geral do Brasil, Dom Francisco de Souza - numa passagem inusitada da história brasileira, já que este se aboletou durante sete meses com séquito numeroso no precário povoado de mineradores -, elevaria à condição de vila e dotaria com um pelourinho (símbolo do poder público), chamando-o de Vila de Nossa Senhora de Monte Serrate.

As primeiras ruínas dos fornos dos Sardinha foram descobertas em 1977 pelo jornalista José Monteiro Salazar, que também localizou restos de construções posteriores, como os fornos construídos por Domingos Pereira Ferreira em 1776. Os estudos pioneiros de Salazar foram aprofundados na década de 80 pela arqueóloga da USP Margarida Davina Andreatta, que obteve o reconhecimento do Sítio Afonso Sardinha como o primeiro sítio paulista datado pela arqueologia histórica como sendo do Século XVI. Em 1989, a Associação Mundial de Produtores de Aço declarou os fornos de Afonso Sardinha como sendo a primeira tentativa de produzir ferro em solo americano.

Toda essa riqueza precisa ser ainda "descoberta" pela população e autoridades regionais, que têm o direito e, mais que isso, o dever de se apossar positivamente do legado histórico da Fazenda Ipanema como parte indissociável da história da região e parada obrigatória de roteiros turísticos, culturais e educativos. Projetos bem orientados nessa área, assim como ações de pesquisa histórica e de biodiversidade levadas a efeito por pesquisadores autônomos, ONGs e órgãos governamentais, certamente serão bem recebidos e apoiados pelo ICMBio, que tem entre seus eixos principais de ação o estímulo ao turismo histórico e ambiental.

Nenhuma política cultural pode desprezar um patrimônio desta grandeza, onde até as pedras contam histórias.

Ruínas podem alterar a história de Sorocaba

Documentos mostram que em 1598 o governador geral do Brasil, Dom Francisco de Souza, levantou no local um pelourinho com a criação de uma vila
Arqueólogos comprovaram que as ruínas são do período de Afonso Sardinha (1597) 
Por: Luciano Bonatti Regalado/Cortesia

Notícia publicada na edição de 15/08/2011 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 9 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.
Giuliano Bonamim
      giuliano.bonamim@jcruzeiro.com.br

Pedras sobrespostas pelo ser humano, encontradas numa área de difícil acesso no Morro Araçoiaba, dentro da Floresta Nacional de Ipanema (Flona), em Iperó, podem estar relacionadas ao início da ocupação social na região de Sorocaba. E têm sido objeto de um estudo feito por um grupo de pesquisadores. A linha de pesquisa aponta para a possibilidade da construção ser referente à implantação do engenho de ferro criado por Afonso Sardinha, em 1597, na base do Morro Araçoiaba. A fileira de pedras também pode remeter às posteriores tentativas de exploração do metal, em meados dos séculos 17 e 18.

No entanto, a relevância desses achados somente será conhecida após estudos técnicos a serem desenvolvidos por especialistas na área de Arqueologia e História. Integrantes do Núcleo de Estudos Históricos e Ambientais da Floresta Nacional de Ipanema e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) planejam retornar neste ano ao local para analisar a "idade" das pedras.

Uma das dúvidas é a seguinte: essas ruínas já haviam sido descobertas ou não? Elas receberam no mês passado a visita de seis pesquisadores da região para a coleta de imagens. Entre eles estava o estudioso da Luso-Brasilidade, o português João Barcellos, que acredita não haver anteriormente qualquer tipo de registro dessa sobreposição de pedras. Segundo ele, o formato linear e parecido com um retângulo tem semelhança com as construções de 1500 e 1600 feitas em Portugal.

O primeiro a descobrir formações antigas de pedra no Morro Araçoiaba foi o pesquisador José Monteiro Salazar, em agosto de 1977. Com a ajuda de um mateiro, eles encontraram resquícios de um forno, de um canal de derivação da água e de uma parede da forja. "Na época, um grupo formado por arqueólogos e arquitetos foram ao local e comprovaram que as ruínas eram do período de Afonso Sardinha", diz Salazar, autor de dois livros sobre o assunto.
 
Cauteloso
 
O biólogo Luciano Bonatti Regalado, também pertencente ao atual grupo de pesquisa, prefere manter a cautela sobre a recente descoberta no Morro Araçoiaba. "Qualquer discussão sobre esses achados, que fogem da atual interpretação, é mera especulação". A história oral revela que Afonso Sardinha criou um arraial no Morro Araçoiaba ao descobrir a existência de minério de ferro na região. Esse português era um conhecido comerciante de metais e escravos da capitania de São Vicente e se instalou na região (hoje de Sorocaba) no fim do século 16 com o objetivo de ganhar dinheiro.

Sardinha teria se instalado juntamente com um grupo de escravos e índios para o trabalho de mineração e fundição de ferro. Com isso, eles teriam erguido um arraial para dormir, manter cavalos, burros e uma área para o plantio. Esse local, segundo dados levantados por pesquisadores, era chamado de Itabebussu. Em 1598, o governador geral do Brasil, Dom Francisco de Souza, foi ao Morro Araçoiaba conhecer o trabalho de Sardinha. Na ocasião, documentos mostram que ele teria levantado um pelourinho com a criação da vila Nossa Senhora do Monte Serrat. "Tudo indica que esse grupo de pessoas originou o que hoje é Sorocaba", diz Regalado.

Essa linha de estudo, segundo o pesquisador Adolfo Frioli, pode comprovar que o pelourinho nunca foi instalado no Itavuvu. "De lá [Itabebussu] ele teria sido levado direto para a vila de Nossa Senhora da Ponte [que deu origem a Sorocaba]", comenta. De acordo com o estudo de Frioli, os habitantes teriam saído do morro Araçoiaba após o encerramento do trabalho de Sardinha para a uma paragem que seria na região do Itavuvu. "Pois aquele era um ponto de travessia pelo rio Sorocaba", relata.
 
História preservada
 
O pelourinho era o símbolo da criação de uma vila. Uma réplica dele está em pé na praça Bruno Abreu Tigani, no bairro Itavuvu, em frente à Escola Estadual Salvador Ortega Fernandes, para manter viva a história da cidade. A comerciante Marlene Tigani Maciel, 59 anos, lamenta a falta de visitas ao local. "Vejo gente diferente aqui só na época do aniversário de Sorocaba", diz. Ela nasceu no bairro e diz saber de cor e salteado toda a história que envolve a região. "Dá um certo orgulho morar aqui por causa disso", completa. O padre Marivaldo de Oliveira, 59, é paroco da igreja Santa Cruz - ao lado do pelourinho - e lamenta a cidade não cultuar mais a região