Ponte de Iperó: o início
05/09/2011 | Notícia | Revista Arquitetura & Aço - nº 26 - Junho 2011
Desde sempre, o homem constrói pontes como forma de transpor obstáculos. No Brasil, uma em especial, localizada na Floresta Nacional de Ipanema, é também o registro da história da produção do ferro e aço nacional
Foto histórica da ponte da Real Fábrica de Ferro de Ipanema,
feita por Júlio W. Durski, em 1885.
Logo após o descobrimento do Brasil, em 1590, a história da produção do ferro e aço no Brasil teve um breve início: Afonso Sardinha e seu filho, Afonso Sardinha, “o moço”, construíram dois fornos primitivos para a produção de ferro, em Iperó, Morro Araçoiaba, próximo a Sorocaba, interior de São Paulo. Em 1616, Sardinha, o pai, falece e a atividade é abandonada. Em 1682, é criada a Fundição de Ferro de Araçoiaba, em uma tentativa que não foi levada a termo.
Muitos anos se passaram até que a produção de ferro fosse finalmente reiniciada no local. A chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, em 1808, trouxe na bagagem os conceitos da revolução industrial que se iniciara na Europa, e deu início a produção da Real Fábrica de Ferro de Ipanema, cujas construções são preservadas até hoje na Floresta Nacional de Ipanema.
Nos dias de hoje, ainda com seu característico grande arco em ferro preservado. Foto: Marcelo Micali |
Para implantá-la, foi criado o Distrito do Ipanema e contratada, em dezembro de 1809, uma equipe de técnicos suecos, liderada por Carl Gustav Hedberg. Este foi substituído em 1815 pelo alemão Frederico Luís Guilherme de Varnhagen. Em 1º de novembro de 1818, ocorreu em terras brasileiras a primeira corrida de ferro gusa em um alto-forno. Com o metal produzido naquele dia foram moldadas três grandes cruzes, sendo a maior delas erguida no Morro Araçoiaba, vizinho à fábrica.
Foram decisivos para a escolha do local, além da presença de jazidas de magnetita, a abundância de madeira, que alimentaria os fornos, e de água, força motriz até meados do século XIX. Nesta época, a administração da fábrica levantou um conjunto arquitetônico, com linhas neoclássicas, para as instalações fabris, moradias e equipamentos comunitários. Também foram construídos um açude, um canal e uma ponte estruturada por um grande arco em ferro, instalada sobre o Rio Ipanema para o transporte da produção da fábrica.
Dos altos-fornos da Real Fábrica de Ferro de Ipanema saíram armas, como facas e baionetas, para a Revolta Liberal e para a Guerra do Paraguai, e diversos artigos necessários ao Brasil do século XIX: de panelas de ferro a gradis, compassos, escadas, luminárias.
Embora produzisse os artefatos para abastecer a indústria e comércio brasileiros, a estrutura em arco da ponte foi, provavelmente, produzida em ferro fundido na Europa e trazida ao Brasil totalmente desmontada. Aqui chegando, foi complementada com madeira extraída da floresta existente no local – especialmente a peroba.
Pelo menos quatro hipóteses são consideradas para a instalação da ponte. Segundo Luciano Bonatti Regalado, pesquisador do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), há relatos de que foi Hedberg, o primeiro diretor da fábrica, que a trouxe em 1811. Entretanto, a análise recente de gravuras sobre a fábrica produzidas ao longo da primeira metade do século XIX, de autoria de Debret e Lemaitre, não incluem a ponte. “Ela também não é mencionada no inventário da fábrica de 1821, e observando-se o relatório produzido por Joaquim de Souza Mursa, em 1867, que incluía planta do local, a ponte não está presente. Portanto, o mais provável é que essa ponte tenha sido instalada após a década de 1870. Provavelmente de origem inglesa, pode ter sido adquirida por Mursa, na Europa, entre 1873 e 1874, quando lá esteve visitando alguns países e exposições, e fazendo aquisições para a fábrica”, conclui Luciano.
Outra hipótese, levantada pelo ICMBio, é que a ponte tenha sido instalada entre 1876 e 1879. “Em 1876, foi construída a estrada de ferro Sorocabana e, três anos depois, inaugurada a extensão Sorocaba-Fábrica de Ipanema. Essa ponte foi instalada para que o ramal da fábrica fosse interligado com a ferrovia externa – é possível observá-la em um mapa produzido por Dupré, datado de 1885. Há ainda uma quarta possibilidade: a de que ela tenha sido fabricada na própria Real Fábrica de Ferro de Ipanema, a partir de moldes copiados na Europa.”
Qualquer que seja a verdadeira história da implantação da ponte da Real Fábrica de Ferro de Ipanema, ela é uma das primeiras, senão a primeira, construída em ferro em solo brasileiro. E o núcleo fabril que sobrevive na Floresta Nacional de Ipanema, tombado como patrimônio histórico, é um importante registro do período colonial, prenúncio da transição entre a empresa rural e a industrialização, que encontrou em São Paulo seu berço mais esplêndido a partir da primeira siderúrgica do Brasil. (Da Redação)
Foto: Luciano Bonatti Regalado |
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